quinta-feira, 21 de junho de 2012

Entrevista com filho de Renato Russo para site Ig




As músicas do Legião Urbana são como hinos que embalam os sonhos e temores da juventude. Mas para Giuliano Manfredini, elas representam também um pouco de sua história familiar. Este jovem de 21 anos é o único herdeiro do líder do Legião Urbana, banda que chegou ao fim em 1996, com a morte de Renato Russo, mas que ainda hoje está presente no gosto dos jovens – de todas as idades.
Giuliano mora com a avó paterna em um luxuoso condomínio no Lago Sul. A mesma cidade que um dia ouviu os primeiros acordes da música-protesto “Que País É Esse”. Cercado de todo o conforto e segurança, tem três carros na garagem. No jardim, logo atrás de uma ampla piscina, ele projetou o desenho de um violão (símbolo da banda) à sombra de um roseiral. O mesmo violão também está tatuado no seu braço.
Próximo à Esplanada dos Ministérios, Giuliano mantém o escritório da sua produtora, a Mundano, que gerencia novas bandas. Até agora era a avó – que ele chama de mãe – quem administrava os direitos autorais que envolvem Renato. A par de toda a magnitude financeira que a obra de seu pai abrange, Giuliano está começando a tomar a frente dos negócios. “Só não me peça para cantar, que não levo jeito. Já tentei e não deu certo. Gosto é de ficar nos bastidores”, diz.

Foto: Felipe Bryan Sampaio
"Eu detenho o direito sobre o nome Legião Urbana, sou o verdadeiro herdeiro da banda", diz Giuliano


Pais e Filhos
A reportagem do iG acompanhou um dia na vida do único filho que Renato deixou. Fruto do relacionamento que o cantor teve com uma fã, Raphaela Bueno, Giuliano tinha apenas 7 anos quando seu pai morreu, vítima de complicações decorrentes da Aids. Raphaela morreu logo depois de dar à luz, em um acidente de carro.
De voz grave, do alto de seu 1,90m de altura, Giuliano fala sobre tudo. Surpreende pela naturalidade com que lida com assuntos polêmicos, que também permearam a vida de seu pai. Como relacionamentos com “meninos e meninas”:


“Todo ser humano é bissexual. Eu já tive experiências com homens. Não tenho vergonha de falar essas coisas. Ninguém pode falar que é heterossexual se nunca experimentou o outro lado para saber que não gosta daquilo”. Ou sobre o uso de drogas: “Gosto de ir uma vez por ano a Amsterdã (cidade europeia onde elas são legalizadas)”.
A entrevista começou na gravadora, onde o encontro foi marcado. Mas como o local está passando por obras estruturais e não tem energia elétrica no momento, a equipe seguiu para sua casa, cerca de vinte minutos dali. Antes, uma parada na Catedral Metropolitana de Brasília, projetada por Oscar Niemeyer. “Não tenho religião. Acredito em Deus, mas não sigo nenhuma crença”, diz o jovem que, antes mesmo de nascer, já era cantado na letra “Pais e Filhos” (“Meu filho vai ter nome de santo/ Quero o nome mais bonito...”). No caminho até sua casa, ele coloca o DVD Acústico MTV do grupo do pai no aparelho do carro. É com a voz de Renato ao fundo, cantando “On the Way Home/ Rise”, que Giuliano vai falando da força que o Legião mantém no imaginário popular: “As músicas passam ideia de sinceridade. Todo mundo já teve um momento que se identificou com uma letra”, afirma.

Giuliano diz que seus amigos são poucos. No site de relacionamentos Facebook, tem cerca de 600 seguidores. “Não abro minha casa para muitos”, diz. Sentado num sofá decorado com almofadas que estampam a foto do pai, envolto por paredes decoradas com discos de ouro e platina conquistados pela banda, além de fotos, bonecos e homenagens ao Legião, Giuliano fala por horas da sua relação com a música e de como encara as artimanhas da vida.


Giuliano: "Ninguém pode falar que é heterossexual se nunca experimentou o outro lado"

A seguir, um pouco do jovem que tem como desafio preservar o legado de Renato Russo:

iG: Você começa a tomar conta do espólio do seu pai. Consegue explicar de onde vem o interesse permanente dos jovens pela banda?
GIULIANO: Em primeiro lugar, a sinceridade do meu pai de correr atrás do que sempre sonhou. Não adiantava nada ele ser um gênio se não corresse atrás do que acreditava. Legião toca nas pessoas. Se você ganha um chute na bunda de uma garota, a música do meu pai vai te dar uma mensagem. “Índios”, “Daniel na Cova dos Leões”, “Tempo Perdido”... Todo mundo já teve um momento que se identificou com uma letra. Mas ele não era um deus, era um homem comum.



iG: Você mantém contato com os outros integrantes do Legião?
GIULIANO: Não tenho contato direto com eles. Não falo sobre isso, porque já houve brigas. Eu detenho o direito sobre o nome Legião Urbana, sou o verdadeiro herdeiro da banda. Existe uma questão delicada, mais que isso prefiro não falar.



iG: Quem não gosta do Legião costuma afirmar que Renato fazia músicas depressivas. Concorda com esta crítica?
GIULIANO: Schopenhauer (Arthur Schopenhauer, filósofo alemão) falava que se você for analisar o mundo, isso aqui é um lugar ruim. O que meu pai queria dizer é que, por termos poucos momentos bons na vida, visto que felicidade é momentânea, somos todos tristes. Estes raros momentos são a força para seguir em frente.



iG: Você é ateu?
GIULIANO: Não. Meu pai era católico, mas fazia seu próprio catolicismo. Sou um pouco assim. Criei minha religião. Meu pai é a pessoa mais presente na minha vida. Sou sensitivo. Ele faz parte da minha consciência.
iG: O que você herdou da personalidade dele?


GIULIANO: A força de vontade. Não entenda como preconceito, mas eu poderia ser funcionário público, como tantos querem na vida. Trabalhar pouco, ganhar muito, ter uma vida pacata... Tem muita gente que não tem sonho. Brasília é muito assim, de gente morgada, apática. Não preciso trabalhar para sobreviver. Trabalho porque quero, porque gosto.

Foto: Felipe Bryan Sampaio
"Meu pai era católico, mas fazia seu próprio catolicismo. Sou um pouco assim"

iG: O que você faz? Como é o seu trabalho?
GIULIANO: Minha produtora, a Mundano, trabalha novos artistas. Em março faremos um festival de música em Brasília. Estamos produzindo uma peça, que ainda não posso falar, além da trilha sonora dos dois filmes sobre o Legião (“Faroeste Caboclo” e “Somos Tão jovens”). Eu é quem escolho as músicas que vão entrar na trilha. O pitaco é meu.



iG: Seu pai fez algumas letras bastante políticas. Você se interessa pelo assunto?
GIULIANO: Não sou aquele que sabe o nome de todos os políticos, mas tenho opinião formada. Sou neutro em relação à política. Desculpe falar assim, mas a eleição desse ano virou uma grande palhaçada.



iG: Por quê?
GIULIANO: Pelos candidatos... O brasileiro está descrente com o País. Não acredito em lados, em direita ou esquerda, mas em interesses. Por isso não voto. Será a segunda eleição que posso votar, mas prefiro justificar. Ninguém vota mais por ideologia.


iG: Praticamente todo adolescente gosta de ouvir Legião Urbana. Isso te facilitou fazer muitos amigos?
GIULIANO: Não, conto nos dedos os meus amigos. Sofria muito preconceito na fase escolar, porque era filho dele. Tenho orgulho do meu pai, e isso era confundido com exibição. Adorava falar empolgado dos novos trabalhos do Legião. Os garotos tinham prazer em me excluir. Eram agressões verbais diárias.



iG: Como eram estas agressões?
GIULIANO: A partir do momento que entrei no colégio e ouvi dos colegas que meu pai era “bicha”, para você ver como eles eram escrotos, passei a entender o que isso significa. Admitir que era homossexual naquela época é mais um motivo para vê-lo como herói. Tem que ser muito macho para falar “eu sou gay”.





"Sofria muito preconceito na fase escolar, porque era filho dele"

iG: Você entendeu desde o começo o que significava o fato do seu pai ser gay?
GIULIANO: Não existe ninguém homossexual de fato. Todo ser humano é bissexual. Se não tivesse nenhuma convenção social seríamos todos bissexuais assumidos. Meu pai não via diferença em amar as pessoas.



iG: Você já teve alguma relação homossexual?
GIULIANO: Eu já tive experiências com homens. Mas hoje sou heterossexual. Estou apaixonado por uma garota do Rio. Não tenho vergonha de falar essas coisas. Ninguém pode falar que é heterossexual se nunca experimentou o outro lado para saber que não gosta daquilo. É como o cara que fala que não gosta de maconha, sem nunca ter usado. Pode falar que é contra, mas não pode falar que não gosta.







iG: E sofreu preconceito por isso?
GIULIANO: Nunca namorei homens a sério, era mais pegação, zoação mesmo, em boates. Preconceito, claro que rola. Mas é coisa minha, ninguém tem que se envolver com isso. E se você não quiser mais ser meu amigo só porque eu beijei um homem, você é um medíocre. Experimentei sim, foi uma experiência boa. Mas não levo esses detalhes adiante. Se um filho meu falar que é gay, vou falar “que bom”.



iG: Você deu uma declaração certa vez chamando seu pai de “idiota” por ter usado drogas. Você nunca experimentou?
GIULIANO: Falei uma vez isso numa entrevista, me arrependo muito dessa declaração. Usa quem quer, não acho errado usar. É cultural dos jovens transgredir as regras. Coloca aí que vou uma vez por ano a Amsterdã.



iG: Como você trata esses assuntos em casa?
GIULIANO: Minha mãe pergunta, falo com ela, na boa. Falo que já experimentei. Não tem problema, temos diálogo em casa.

"É cultural dos jovens transgredir as regras", afirma Giuliano




iG: Quais são as lembranças do contato que teve com Renato?
GIULIANO: Convivi com ele até os 7 anos. Fernando Pessoa dizia que a importância das coisas não está na duração, mas na intensidade. Meu pai era uma pessoa muito intensa, assim como eu. Passava os dias com ele, em seu apartamento. Chegamos a fazer uma viagem a Nova York, quando fiz 5 anos. Ele me encheu de brinquedos.



iG: Você não chegou a conhecer sua mãe (que morreu num acidente de carro) e foi criado pela avó paterna. Como é esta relação familiar?
GIULIANO: Desde que minha mãe morreu, quando eu era recém-nascido, a guarda ficou com minha avó. Cresci chamando-a de mãe. Todo jovem tem seus momentos de curtição, farra. Mas também sou família. Tenho o maior orgulho de tê-la ao meu lado.



iG: Que futuro projeta para a lembrança do que representou o Legião?
GIULIANO: Legião tem força para muito mais. Quero estar aqui daqui a dez anos escutando e vibrando com cada uma das músicas do meu pai. Vou tomar conta de tudo. O mais importante não é lucrar com tudo isso, mas manter a ideologia de suas canções viva na memória das pessoas, de quem não conheceu e de quem ainda vai ouvi-las. Ainda temos muita coisa inédita para um dia, quem sabe.
Giuliano Manfredini mora em uma ampla casa na área nobre de Brasília





fonte: ultimosegundo.ig.com.br

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