sexta-feira, 22 de maio de 2015

CONHEÇA OS ROQUEIROS CUBANOS QUE SE INJETAVAM HIV COMO FORMA DE PROTESTO CONTRA O GOVERNO DE FIDEL



Perseguidos por Fidel Castro, "los frikis" eram metaleiros cubanos dos anos 1990 que se contaminavam com HIV em busca de liberdade






Socialismo o muerte. Esse era o lema que tomou conta de Cuba com o fim da União Soviética. Sob repressão intensa, jovens roqueiros
(de qualquer estilo) não tinham a permissão para ouvir a música que queriam, se vestir como desejavam, pensar como quisessem. O socialismo não lhes oferecia perspectiva nem liberdade. Forçados a escolher entre socialismo ou morte, esses jovens, conhecidos como “frikis”, escolhiam a segunda opção: injetavam-se com sangue contaminado pelo vírus HIV. Um protesto que, sem dúvida, pode ser considerado punk até a medula. O movimento punk rock em Cuba se mistura com a epidemia da Aids de maneira única no mundo. Em Cuba, por algum tempo tornar-se soropositivo foi sinônimo de rebeldia, uma janela para uma vida mais livre, e uma maneira de não passar fome.

“Friki” é uma corruptela do termo freak, em inglês, e em castelhano é utilizada para qualquer pessoa considerada “esquisita” – emos, nerds, maconheiros etc. Mas em Cuba, no final da década de 1980 e início da década de 1990, o termo passou a se referir a jovens punks que, para se rebelar contra a ditadura, ouviam rock, usavam jeans rasgados e deixavam crescer os cabelos. Sob o governo de Castro, essas práticas rendiam acusações de “periculosidade social”, um crime que (até hoje) pode render até dois anos de prisão. Mesmo assim, nos anos 1970 e 1980, jovens imitavam o visual dos roqueiros capitalistas e esforçavam-se para ouvir as canções que chegavam dos Estados Unidos via fitas cassete contrabandeadas dos EUA e rádios FM importados da Rússia (que, com esforço, conseguiam captar estações de rádio da Flórida). Esses adolescentes eram espancados por policiais do regime, e suas atitudes eram reprovadas por familiares, que muitas vezes expulsavam os rebeldes de casa.


Quando o Muro de Berlim caiu em 1989, a situação desses roqueros tornou-se ainda pior. Os regimes socialistas começaram a desmoronar, e Fidel Castro acirrou o autoritarismo dentro da ilha que comandava. O lema 
“Socialismo o Muerte“começou a ser pintado pelos muros das cidades cubanas. A música norte-americana ganhou cunho ideológico: ouvir rock era ouvir a mensagem do inimigo. A polícia apertou o cerco contra os metaleiros, que muitas vezes eram enviados para o campo e forçados a trabalhar na lavoura de cana-de-açúcar. Jovens tinham seus cabelos cortados à força nas escolas.


Nessa mesma época, Cuba passou a enviar soldados para lutarem ao lado dos movimentos armados de esquerda na
 guerra civil de Angola. Quando esses soldados retornaram à ilha, trouxeram consigo o vírus HIV. O governo passou a fazer exames de sangue mandatórios em todos os adultos em idade de serem sexualmente ativos. Os cidadãos cujo exame retornava positivo eram despachados (à força, se necessário) para sanatórios fora das cidades, exclusivos para quem era portador do vírus.


Papo La Bala era um dos frikis mais intensos e rebeldes que Cuba gerou. 
Segundo documentaristas cubanos, foi ele quem primeiro fez o gesto extremo de se injetar com HIV como forma de protesto. O “Curt Cobain dos frikis“, Papo era um rebelde emperdenido, capaz de andar por Havana com a bandeira dos Estados Unidos presa na cabeça como bandana apenas para desafiar as autoridades. Preso numa ilha que lhe agredia por ser como era, ele decidiu agredir a ilha de volta fazendo algo que era até então impensável: procurou um amigo roqueiro soropositivo e injetou-se com seu sangue, apenas para despeitar as autoridades. Ele não queria viver pelo socialismo, então escolhia a morte. Como todos os outros infectados, ele foi enviado para um sanatório.


E o que encontrou lá foi, principalmente para os padrões cubanos, o paraíso. Os internados viviam em casinhas em que cada paciente tinha seu próprio quarto, cercados por terrenos verdejantes e animais silvestres. “[Os residentes dos sanatórios] têm moradia, ar-condicionado, TV em cores, 100% de seu salário e uma dieta com muitas calorias e proteína”, 
escreveu o Dr. Jorge Perez, diretor do programa de tratamento nacional de HIV num artigo publicado em 2003 para a The Foundation for AIDS Research. Apesar de inicialmente serem conduzidos pelo exército – mais parecendo, portanto, campos de concentração – logo os sanatórios tornaram-se responsabilidade do Ministério da Saúde. Muito progressistas, os médicos cubanos cuidavam extremamente bem de seus pacientes. Nos sanatórios, os frikis chegavam a ter a liberdade de ouvirem a música que quisessem, e assim pelas janelas dos quartos ecoavam os sons de Metallica, Nirvana, Led Zeppelin, Queen…



foto: Helena de Bragança


Os subsídios que sustentavam Cuba acabaram-se com o fim da União Soviética, e a população da ilha enfrentava escassez de absolutamente tudo. Já nos sanatórios, nada faltava. Outra regalia inesperada: os soropositivos descobriram que eram temidos pela polícia, e assim passaram a poder andar livres de agressão durante as visitas que faziam às cidades a cada 21 dias. Comida, liberdade… a notícia se espalhou, e outros rebeldes frikis começaram a imitar Papo La Bala. Pessoas de 17, 18 anos injetavam-se com sangue infectado pelo vírus HIV. Um punhado de frikistornou-se dúzias, que tornaram-se centenas. O ato entrou tão na moda entre os metaleiros que muitos pensavam que não era possível ser friki de verdade sem antes injetar-se com sangue soropositivo. Quando finalmente ficou sabendo disso, Fidel Castro proibiu a venda de seringas em Cuba e decretou que injetar-se com HIV seria um crime punível com oito anos de prisão. Mas já era tarde demais.


Os sanatórios tornaram-se um celeiro de bandas de punk rock. Uma das primeiras bandas que se formaram nesse cenário, não por acaso, tinha o nome de V.I.H, ou HIV em castelhano. Uma das principais bandas de punk cubano, de nome Eskoria, vem de um sanatório perto de Santa Clara. Em seus discursos, Fidel Castro chamava de “escória” os cubanos que se refugiavam em embaixadas ou fugiam de balsa para os Estados Unidos. Dar esse nome para sua banda era, portanto, um ato político.


Fora dos sanatórios, os frikis só contavam com o apoio de uma pessoa: María Gattorno, de 37 anos, a chefa do departamento de atividades da Casa de Cultura Roberto Branly, em Havana. Fã dos Beatles (que ouvia escondida quando jovem), María abriu o espaço da Casa de Cultura para que os roqueiros ensaiassem e se apresentassem. O centro cultural tornou-se o lugar onde os frikis conseguiam se encontrar e agir como queriam por algumas horas. Em sua homenagem, o lugar passou a ser chamado pelos jovens de Patio de María, como ficou sendo conhecido desde então.


Com seu centro cultural repleto de adolescentes, o pátio chamou a atenção do Ministério da Saúde, que buscava uma maneira de educar a população sobre maneiras de prevenção de DSTs. María não se fez de rogada: alistou as bandas que ensaiavam no Patio para seu projeto Rock Contra SIDA (“Rock contra a Aids”). As bandas faziam concertos e revertiam toda a renda para o projeto; o pátio ficou repleto de materiais de educação sexual e preservativos que eram distribuídos gratuitamente. O projeto deu tão certo que María decidiu, quatro anos mais tarde, começar a trabalhar também contra o alcoolismo e o vício em drogas, algo que ia diretamente contra o governo: a posição oficial era a de que não existiam viciados em Cuba.



Foto: Paul Geddis


Muitos dos adolescentes que entraram na onda de se injetarem com HIV o faziam cientes de que faziam um ato de protesto, um ato político. Muitos outros não. Vários pensavam que em alguns anos Fidel ou o Ministério da Saúde encontrariam algum tipo de cura para a doença (a medicina cubana é referência no mundo ocidental, afinal de contas). Em poucos anos, no entanto, os primeiros infectados começaram a morrer de Aids, e só então muitos conheceram as reais consequências de seu gesto. Morrer de Aids é diferente de outras mortes mais comuns: o paciente definha, fica cego, tem doenças oportunistas. Quem se arrependeu já não podia fazer mais nada. Os frikis deixaram de injetar-se com sangue contaminado pelo vírus HIV.


Papo La Bala continuou rebelde e roqueiro até o último momento. No final de sua vida, entrou numa igreja evangélica que aceitava soropositivos – um ato de rebeldia contra um governo socialista que exigia o fim das religiões. O documentário Maldito Sea Tu Nombre Liberdad, de Vladimir Ceballos, o mostra tendo aulas de inglês (também contra os princípios de Castro) e afirmando que Jesus Cristo era o verdadeiro comunista. Papo morreu vítima de um parasita que se alojou em seu cérebro.


Há quem considere, no entanto, que os gestos extremados dos frikis cubanos não foram totalmente em vão. Lentamente o governo de Fidel Castro começou a dar mais liberdade para os metaleiros; em 2000 uma estátua de John Lennon foi inaugurada em Havana. Roqueiros internacionais começaram a ter permissão para fazer concertos na ilha.


O Patio de Maria continuou cada vez mais cheio de roqueiros cabeludos – parecia
“uma maré negra”, diziam os vizinhos, tão popular havia se tornado – a ponto de incomodar as autoridades. Quinze anos depois que María Gattorno começou a abrigar os frikis, a polícia fez uma batida em busca de drogas no centro cultural que acabou por fechá-lo – o que chega a ser irônico, já que haviam negado permissão para que ela própria fizesse um trabalho de combate às drogas. Desolada, Gattorno deixou de trabalhar com os roqueiros até o início de 2015. Fiel à maneira socialista de fazer as coisas, em 2008 o governo cubano inaugurou a Agencia Cubana del Rock, que representa e emprega os roqueiros do país. Sua sede fica no teatro Maxim, em Havana. Depois de muita insistência dos frikis da nova e da velha guarda, María Gattorno aceitou o cargo de diretora da agência.


Fonte: http://www.ladobi.com/2015/04/los-frikis-cuba-hiv/

Um comentário:

Blogger disse...

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