quinta-feira, 3 de março de 2016

BEBO PARA ESTAR, NÃO PARA SER, POR FABRÍCIO CARPINEJAR




Gosto de beber socialmente. Com amigos ou com a namorada. Mas jamais fico bêbado. Jamais atravesso a fronteira para a inconsciência. Tive raras crises de diva pelo álcool.

Qualquer um que abusa perde a noção do ridículo: canta samba como se fosse ópera, canta funk como se fosse MPB.

Não bebo para melhorar a minha vida, ou me melhorar, bebo para ficar à vontade. Eu relaxo e deixo os pensamentos rirem um pouco da seriedade dos dramas domésticos.

Não bebo para conquistar nenhuma mulher, coragem não se pega emprestada.

E sei parar no momento certo, sem soar careta, sem usar desculpa de que estou tomando antibiótico ou que vim de carro. Paro na hora em que o trago perderá a graça e se aproxima da letra E (Engov, Eno e Estrago).

Eu sei recusar um copo sem alimentar a culpa, não sofro do medo de desagradar.

Não bebo para os outros, para receber elogios de como sou forte e resistente, para ser um viking, um irlandês, um corsário. Não bebo para me exibir, como um teste de masculinidade, concorrendo entre os colegas para descobrir quem bebe mais. Gincana é coisa de criança.

Não bebo para esquecer um amor porque é uma ilusão: quem enche a cara para apagar um relacionamento destruirá todo o resto, menos a pessoa desejada.

Não bebo para fugir dos problemas, ou para não ser cobrado.

Beber é a arte de degustar o tempo vago.

Bebo pela companhia, para olhar nos olhos e ouvir confidências e histórias que só cabem em mesa de bar. A bebida é um pretexto, não o centro das atenções.

Tem gente que carrega facilmente o isopor com cerveja gelada durante quilômetros pela praia e não segura as dores do amigo em cinco minutos de conversa.

Sou do segundo time, capaz de parar de beber e consumir água só por solidariedade a um camarada que está se sentindo mal.

Quem extrapola os limites é egoísta, é uma criança birrenta.

Nada é mais chato do que um bêbado. Pois você saiu para dançar com alguém e este alguém bebe tanto que passa a dançar sozinho, a desaparecer em suas alucinações, a pisar nos seus calos.

E não adianta aconselhá-lo a parar de beber, será linchado pelos fantasmas da criatura, com sermões tipo "vai me controlar?" ou "quer mandar em mim?".

O bêbado tem certeza que vem agradando e provocando barulho. É um megalomaníaco das pedras do gelo, um cleptomaníaco de garrafas.

Pois você saiu para bater papo com alguém e este alguém começa a falar sozinho, a desencavar palavrões desconexos, a chamar o garçom para sentar junto.

Pois você saiu para dividir a alegria com alguém e este alguém se vê poderoso o suficiente para provocar briga, ofender estranhos e mandar no lugar.

Beber acentua o que você já era sóbrio.




Fonte: O globo

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