Momento histórico marcou consolidação de um regime e de uma entidade que rege o futebol no país até hoje
Frederico Machado Fagundes Rodrigues
Quem nunca ouviu a música tema da Copa do Mundo de 1970, que emociona até quem nasceu em época posterior à competição, e não se sentiu empolgado com um sentimento de nacionalismo aflorado com a esperança de que um dia o Brasil vai dar certo? A letra da música "Pra frente Brasil" nos conduz a imaginar que a nação está trilhando no caminho certo e que os governantes (da época), nada mais queriam do que nos "salvar" dos riscos que corríamos com os "comunistas malvados" que aprontavam uma enorme baderna sem um motivo aparente só para atingir a moral e os bons costumes ditados pela sociedade elitista da época.
A música é bem clara quanto ao apelo do governo militar de que a população deveria se unir para seguir em frente e não deixar quebrar a corrente: "noventa milhões em ação... É aquela corrente pra frente... Parece que todo Brasil deu a mão...", fazendo uma analogia dos jogos da seleção nacional de futebol no mundial do México com a luta do governo contra a "ameaça vermelha" citada acima.
Vamos aos fatos históricos:
No torneio sul-americano das eliminatórias do mesmo mundial, no ano de 1969, João Saldanha era o técnico da esquadra canarinho e classifica o Brasil, com Pelé em campo, para o torneio máximo do futebol mundial organizado pela Fifa. Saldanha montou a base dos melhores jogadores brasileiros, preparados e organizados para que a seleção brasileira trouxesse a posse definitiva da taça Jules Rimet. A situação política no país era tensa e no mesmo ano da disputa das eliminatórias foi instituído o AI5 (Ato Institucional número 5), um ato autoritário imposto pelo então presidente da República Arthur da Costa e Silva, que praticamente sufocava por completo os direitos de livre expressão do cidadão e que prometia uma verdadeira "caça às bruxas" contra aqueles que eram contrários ao governo militar e seus propósitos, coibindo por completo as ações dos movimentos sociais.
O general Costa e Silva afastou-se do governo por problemas de saúde e em 30 de outubro de 1969 assume Emílio Garrastazu Médice, que era entusiasta do futebol e entendia muito bem como aproveitar a paixão nacional pelo esporte para fazer a propaganda pró-ditadura, provocando, inclusive, a saída do técnico João Saldanha (que nutria uma grande simpatia aos movimentos de esquerda e há quem diga de uma estreita ligação dele com o PCB), exigindo a convocação de Dario, o Dadá Maravilha.
Com personalidade forte, o comandante da seleção afirmou que o presidente deveria se preocupar em escalar o ministério e que o time que iria para Copa do Mundo era preocupação da comissão técnica, custando, assim, seu cargo frente à CBD (atual CBF). Quem foi chamado para assumir a vaga foi Zagallo, que havia sido campeão da Copa como jogador em 1958 e 1962, vindo conquistar o título de 1994, no mundial dos EUA, como auxiliar técnico. O Brasil vivia período de incertezas políticas e os ânimos precisavam ser acalmados. Para isso, Médice usou uma tática dos imperadores romanos para que se esquecesse do período turbulento dos anos de chumbo: a política do "pão e circo". A CBD recebeu todo o respaldo governista para que o time fosse comparado com o próprio país, ficando a imagem de que se o Brasil desse certo no futebol, também daria certo no regime proposto pelos militares até então, mostrando que a ditadura não era tão ruim quanto se mostrava (na visão da propaganda militar).
O Brasil saiu vitorioso, conquistando em definitivo a taça Jules Rimet, fortalecendo ditadura e CBD, mostrando que a proposta imposta pelo braço de ferro dos militares brasileiros, de certa forma, penduraria por mais algum tempo, precisamente mais 14 anos, onde muitos brasileiros e o país, como um todo, pagaram muito caro, colhendo, até hoje, o fruto das sequelas deixadas pelos militares e pensamentos como: "O Brasil só dá certo no futebol...".
*Frederico Machado Fagundes Rodrigues é graduado em História pela UCG e consultor de relacionamento na Atento Brasil S/A.
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