
Um espetáculo pirotécnico desperta em qualquer pessoa a  impressão de magia. Mas os cientistas garantem: os desenhos  multicoloridos no céu são uma maravilhosa questão de Química.      
por Lúcia Helena de Oliveira

Ouve-se um assovio distante, até ocorrer a explosão em cores. O céu  escuro fica estampado com riscos azuis, faíscas vermelhas, estrelinhas  de ouro e chuva de prata. Surpreendem, então, luzes brancas como as de  um raio e sons que imitam trovões. Esse espetáculo poderia perfeitamente  ter acontecido no aniversário de uma cidade, em uma final de Copa do  Mundo, em uma festa junina ou na entrada do Ano-Novo. Pois, afinal, os  fogos de artifício são velhos convidados nas grandes celebrações, desde  que os chineses, inventores da pólvora,  começaram a utilizar tiros coloridos de morteiros, há cerca de 1 000  anos, para anunciar a vitória nas guerras. Mas só recentemente os  cientistas começaram a desvendar o esplendor dessa antiga forma de  comemorar, graças aos avanços da chamada pirotecnia — do grego, a arte de empregar o fogo.

O  interesse dos pesquisadores não é gratuito. Na verdade, os princípios  dos fogos de artifício valem para desenvolver desde sinalizadores de  emergências mais eficientes até propulsores para os modernos ônibus  espaciais. Tudo, em suma, é uma questão de controlar o processo da  combustão, porque há maneiras e maneiras de uma substância queimar. Para  que os fogos produzam esse, e não aquele, efeito visual é necessário  obter uma temperatura determinada da chama e calcular a dosagem exata de  gás.liberado durante a combustão. Para isso, os fogueteiros não devem  errar na proporção dos componentes químicos. Quando um ingrediente entra  de mais ou de menos, um leque de faíscas esverdeadas, por exemplo, pode  se transformar em um borrão cor de laranja. As receitas de fogos de  artifício são cheias de truques. E, para complicar, as fórmulas são  mantidas em segredo, passadas de geração em geração, por famílias de  tradicionais fogueteiros. O que facilita o sigilo, comum no mundo  inteiro, é o fato de a indústria pirotécnica ser artesanal. Pois é  impossível usar máquinas quando se trabalha com pólvora  negra, a milenar invenção da China, que explode quando há atrito ou  faísca. Em 1242, o monge inglês Roger Bacon (1220-1292) desvendou a  fórmula do explosivo oriental, mas preferiu escrevê-la em código, por  considerá-lo perigoso.

 Na época, um destino idêntico foi dado às  receitas de fogos, encarados como obra de feiticeiros. De qualquer modo,  Bacon deve ter anotado, com símbolos estranhos, que para obter 100  gramas de pólvora  são necessários 75 gramas de salitre, 15 gramas de carvão e 10 gramas  de enxofre. Os fabricantes de fogos ainda acrescentam na mistura  goma-laca ou breu, que servem como um ligante, envolvendo as partículas  daqueles três componentes. Se isso não é feito, ao rasparem entre si, os  grãos de pólvora  podem disparar a combustão. A ignição ocorre quando a energia de alguma  fonte —combustível, fricção, impacto ou até raios laser — quebra as  ligações químicas de uma mistura pirotécnica como a pólvora.  Assim, formam-se novas ligações entre os átomos, criando substâncias  mais estáveis, isto é, com menos energia; nessa transformação, a energia  liberada ativará a camada seguinte do grão de pólvora e assim por diante, até não existir mais material para queimar. A pólvora é ideal para a pirotecnia  porque incendeia dispensando o oxigênio do ar. Esse gás essencial à  combustão já está contido no salitre de sua composição. Portanto, é  natural que quanto mais pólvora contenha, mais tempo dure e mais forte seja a combustão dos fogos de artifício.

 Quando  a famosa cascata de fogos do Hotel Méridien, no Rio de Janeiro,  aconteceu pela primeira vez, no réveillon de 1977, as faíscas mal  cobriam dez dos quarenta andares do edifício. "Ano após ano, a cascata  crescia, porque desenvolvíamos novas fórmulas de bombas com mais pólvora",  observa o francês Jean-Claude Niger, diretor técnico do Méridien. "No  ano passado, conseguimos a proeza: a cascata desceu todos os 120 metros  do prédio, chegando até o chão." O segredo desse espetáculo está na  troca de elétrons entre os átomos de oxigênio e os átomos dos chamados  combustíveis, que no caso da pólvora  são o carvão e o enxofre. "Em toda reação com oxigênio existe essa  troca, na qual a energia dos reagentes pode ser liberada de várias  maneiras: como luz, como calor, como som", conta a química  Rita Tereza dos Santos, da Universidade de São Paulo. O final pomposo  da festa de Ano- Novo carioca, por exemplo, costuma apresentar o que os  pirotécnicos chamam mistura de luz e som. Os químicos traduziriam isso para mistura de alumínio e pólvora branca: o metal, aquecido, libera luz; a pólvora  branca (uma combinação de clorato de potássio, enxofre e alumínio)  descarrega energia como ondas acústicas. É por isso que esse mesmo  ingrediente entra nos rojões, que os torcedores de futebol soltam quando  seu time marca um gol. A pólvora negra gera apenas calor.

 Uma  chama pirotécnica pode chegar a 3 600 graus Celsius. Para se ter uma  idéia, segundo Rita, a temperatura da chama de um fogão doméstico  costuma alcançar 800 graus Celsius. "Se o calor não se dispersa, porque  está confinado em uma bomba, cria-se uma enorme pressão, que culmina separando todas as partículas, no fenômeno da explosão", descreve a química. Por isso, a primeira função da pólvora nos fogos de artifício é a propulsão, isto é, lançar a carga da bomba a 200 ou 300 metros do chão. O segundo papel da pólvora  é fornecer calor para acender as chamadas baladas, pedaços de uma massa  feita com produtos químicos, responsáveis pelo colorido dos fogos.  Usa-se o estrôncio para se obter o vermelho e o cobre para se ter o  azul; assim como um pintor misturaria na paleta as duas cores para  conseguir o roxo, os pirotécnicos combinam estrôncio e cobre para fazer  fogos de luz violeta.
 Muitas  vezes, os fogos começam de uma cor e terminam de outra, porque as  baladas têm duas camadas de misturas diferentes. "Com uma família  pequena de elementos químicos, recriamos as cores do arco-íris", comenta  o empresário Valter Jeremias, da Caramuru, a indústria pioneira na  fabricação de fogos no Brasil, fundada há 65 anos. A fábrica se espalha  por uma colina, no município de Santa Branca, 88 quilômetros a leste de  São Paulo. Ali, trabalham cerca de noventa funcionários, em minúsculas  casinhas distantes entre si, onde ficam, no máximo, três pessoas de cada  vez. O motivo disso pode ser chocante: trata-se de uma precaução,  adotada no mundo inteiro, para evitar que morram muitas pessoas em  eventuais explosões. Acidentes de maior ou menor gravidade acontecem com  freqüência razoável, nem sempre por causa da pólvora. Depois de se moldarem as baladas, que têm do tamanho de um caroço de uva até o de uma bola de gude, a massa deve secar ao sol.

 "Às vezes, o calor faz com que elas peguem fogo espontaneamente", diz Jeremias, que exibe uma bomba  na mesa de trabalho. Trata-se de um tubo de cartão, com 75 centímetros  de altura. Na base do cartucho, encontra-se uma pastilha grossa de pólvora, que lançará para o alto a carga do recheio—mais pólvora e as baladas. Existe ainda a bomba  oriental redonda, que pode ter até o dobro do diâmetro de uma bola de  basquete. "Nela, as baladas devem ser arrumadas organizadamente em todo o  contorno", demonstra Jeremias. O próprio estopim ou o estouro da  pastilha propulsora acende o que se chama fusível de tempo, um pavio que  demora mais para queimar, encarregado de acender a carga do recheio.  Assim, a pólvora no interior só explode espalhando e incendiando as baladas quando a bomba está longe do solo.

 O calor liberado torna o material das baladas líquido ou gasoso. Então, as partículas começam a emitir luz, cuja cor dependerá do comprimento da onda. A luz  visível são radiações eletromagnéticas que medem entre 380 nanômetros  (um bilionésimo de metro), quando causam a sensação do violeta, e 780  nanômetros, quando provocam a sensação do vermelho. Os fogos são brancos  reluzentes quando as baladas conseguem emitir, ao mesmo tempo, ondas de  todos os comprimentos, com todas as cores do espectro. Para isso, é  necessário fornecer muito calor, de modo que os pirotécnicos, quando  desejam esse efeito, misturam alumínio, magnésio ou titânio à pólvora da carga. "Os metais elevam ainda mais a temperatura de uma chama", justifica a química  Maria Regina Alcântara, da Universidade de São Paulo. O calor é  fundamental para os três processos pelos quais as baladas produzem ondas  luminosas. Um deles é a incandescência: "Quando se fornece muito calor a  uma substância, é como se ela se sobrecarregasse, recusando a energia  extra, devolvida na forma de luz. É o fenômeno de um ferro em brasa", informa Maria Regina.
 Qualquer  um pode notar que o ferro aquecido logo se torna vermelho — a primeira  cor do espectro — até se alaranjar aos poucos; com mais calor, a cor  passa a ser um amarelo forte; se for possível esquentá-lo ainda mais,  ele assumirá tons azulados e, finalmente, ficará branco. "Do mesmo modo,  nos fogos, é possível obter várias cores a partir de uma única  substância existente na balada, conforme os elementos, como metais,  acrescentados à pólvora  — portanto, se o calor da chama é menor ou maior", esclarece Maria  Regina. O mesmo não é possível nos outros dois processos de produção de luz.  Na emissão atômica e na emissão molecular, uma substância qualquer só  pode emitir determinado comprimento de onda luminosa, de acordo com as  suas características. Na emissão atômica, os elétrons se agitam ao rodar  em torno do núcleo atômico, transferindo-se para órbitas mais externas,  que são mais energéticas; ao retornarem para a órbita de origem, os  elétrons liberam a energia adquirida como luz.  A emissão molecular é semelhante, só que a agitação é das moléculas, e  não dos elétrons. "Quando as baladas são de sódio, inevitavelmente  reluzem amarelo", exemplifica Maria Regina. Quando existe sódio dentro  da bomba, os raios amarelos ofuscam qualquer outra onda luminosa de cor diferente.
 O  problema é que o sódio muitas vezes pode se formar indesejavelmente em  reações durante a combustão, quando as partículas das baladas se  evaporam e se misturam. Pois os fogos podem ser comparados com tubos de  ensaio, repletos de elementos químicos, que se combinam quando  aquecidos. "Os pirotécnicos podem usar dois ingredientes para formar uma  terceira substância", conta o químico Atílio Vanin, professor da USP. É  o caso das moléculas de bário, capazes de emitir a luz  verde. “Frágeis, elas não duram muito mesmo em temperatura ambiente”,  explica Vanin. “Por isso, não devem ser colocadas diretamente nos fogos,  e sim serem formadas no instante em que se precisa delas”, revela o  pesquisador, cuja paixão pela pirotecnia vem da infância.
 No  bairro paulistano do Brás, Atilio Vanin foi coroinha durante dez anos  na Igreja de São Vito, que todo dia 15 de junho comemorava a festa do  padroeiro com fogos. "Fascinado, aos 15 anos, eu não descansei enquanto  não aprendi sozinho a fazer pólvora"  lembra. Hoje, trinta anos depois, o químico reconhece que fazer fogos é  muito mais difícil do que imaginava quando fabricava suas próprias  bombinhas. "Leva-se em conta até o tamanho das baladas", ele observa. Ao  se incendiar, uma balada pequenina brilha por brevíssimos momentos,  antes de se derreter completamente. O resultado é a visão de um ponto  luminoso feito uma estrela.
 Uma balada maior, porém, leva mais  tempo até se desfazer e, enquanto isso, vai caindo por força da  gravidade; dessa maneira, faz um traço no céu, como uma chuva de fogo.  "As bombas, às vezes, são divididas em diversos compartimentos que  estouram em alturas diferentes, graças aos fusíveis de tempo", nota  Vanin. Com esse recurso, inúmeras pequenas bombas criam o que os  pirotécnicos chamam buquê de noiva — porque as explosões espalhadas  lembrariam flores de faíscas. Para dar acabamento ao desenho criado  pelos fogos, os pirotécnicos misturam à pólvora  combustíveis que liberam mais ou menos gás, de acordo com o efeito  desejado. A pressão do gás afasta as partículas incandescentes, deixando  os feixes de luz  distantes entre si. A tendência é cada vez mais os cientistas se  interessarem pelo tema, como nos Estados Unidos, onde pesquisadores  contratados pela Marinha buscam substâncias que possam produzir a cor  azul.
 Até hoje, sempre que se querem faíscas azuladas, usa-se o cloreto de cobre, uma substância que só gera luz  em temperaturas muito elevadas. No entanto, quando o calor excede o  ponto ideal, por pouco que seja, o cloreto de cobre se desintegra e aí  não se tem luz  alguma. Muitas vezes a descoberta de novos materiais para fogos de  artifício é decorrência de decepções na prática. Um exemplo disso foi o  réveillon carioca, há três anos, quando milhares de pessoas na Praia de  Copacabana aguardavam o anúncio da meia-noite pela cascata de fogos do  Hotel Méridien. Mas, então, os fogos começaram a pipocar em hesitantes  etapas. Enquanto isso, técnicos corriam, acendendo, um por um, cerca de  200 morteiros. "Havia chovido e os estopins molhados demoravam para  pegar fogo ", lembra o engenheiro Jean- Claude Niger.

 Há treze  anos, para promover o Ano Novo no Rio de Janeiro, Niger foi ao terraço  do Méridien e amarrou de cabeça para baixo pequenas bombas de mão. Com  isso, ele derreteu as juntas das janelas do prédio: "Só não levei bronca  porque o efeito foi belíssimo". A traquinagem deu origem a uma  tradição: no final deste mês, devem ser queimadas 46 toneladas de fogos  no Ano-Novo de Copacabana. Este ano, porém, Niger buscou na Inglaterra  um novo estopim impermeável, revestido de betume. Assim, Copacabana  receberá 1991 com muitos artifícios — chova ou não chova.
 
 
 
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 É fogo
 (SUPER número 3, ano 2)