terça-feira, 10 de janeiro de 2012

Juca Chaves, o menestrel da política e do sexo


"Bossa-nova mesmo é ser presidente/ desta terra descoberta por Cabral Para tanto basta ser, tão simplesmente/ Simpático, risonho, original" ("Presidente Bossa Nova", 1961) xxx "Mordomia é uma mania com jeitinho Brasileiro Desde Dom Pedro I Até os tempos atuais Mas o nosso Presidente Que é imortal na academia Agora com mordomia Que não morre nunca mais Muda Sarney é tempo de mudar Trocar o Tucupi pro Caviar" ("Votar, Votar", 1985/86) xxx E assim se passaram 25 anos... Um quarto de século de Brasil e Juca Chaves (Jurandyr Chaves, Rio de Janeiro, 22 de outubro de 1938) continua a ser o implacável e mordaz menestrel. Com suas sátiras brilhantes ou suas modinhas apaixonadas, sua presença no cenário musical brasileiro tem sido polêmica e intensa. Nunca chegou, a exemplo de um Chico Buarque de Hollanda, a ser um contestador político. Ao contrário, apreciador de belas mulheres, conforto, mordomias, viagens - colecionando carros esportes, suas preocupações políticas jamais passaram da ironia do quotidiano, dos personagens e acontecimentos do momento. Mas, nem por isto, suas farpas deixaram de incomodar as donos do poder e em sua folha pregressa há alguns processos, muitas sátiras que só saíram para o público após batalhas judiciais. Assim foi em 1962, com "Caixinha, Obrigado", para cuja liberação em 78 rpm pela RGE, ele teve que retirar da letra original o nome de uma deputada então em evidência. A mediocridade/ é um fato consumado Na sociedade/ onde o ar é depravado Marido rico, burguesão, despreocupado Que foi casado/ com mulher burra mas bela O filho dela/ é político ou tarado Caixinha, Obrigado! "Contrabando de Café", da mesma época, não chegou a ser proibida mas, em compensação, quase que custou ao Juquinha o corte inesperado de sua juba loira - que, no início dos anos 60, irritava aos conservadores. Por dizer na letra que "Lupion havia vendido um terço do Paraná", Juca Chaves passou maus momentos em Curitiba. Uma noite, após um show na cidade foi jantar na antiga Fontana de Trevi, sofisticada casa que o hoje judoka Aldo Lubes gerenciava na Avenida Luiz Xavier. Sabedores da presença de Juca no local, um grupo de furiosos lupionistas - que sofria, então, as perseguições do governador Ney Braga - pretenderam lhe aplicar um corretivo e entre safanões, gritos e confusões, Juca só escapou devido à proteção da polícia. Em compensação, ficou anos sem ter coragem de voltar a Curitiba. GUERRA DOS SETE MARES - De todas as brigas com a Censura, talvez a mais polêmica tenha sido devido ao "Brasil Já Vai à Guerra", que a Marinha não desejava fosse liberada. Afinal, ironizando a compra do porta-aviões "Minas Gerais" - vejam só, por Cr$ 82 milhões - Juca atraiu as iras de oficiais da armada e a divulgação da sátira só aconteceu após o juiz Célio de Melo Almada, da 1ª Vara da Fazenda Estadual, em São Paulo, ter concedido o Mandado de Segurança. Brasil já vai à guerra Comprou um porta-aviões Um viva pra Inglaterra - Cr$ 82 milhões! Ah! mas que ladrões! Comenta o Zé Povinho Governo Varonil/ Coitado, Coitadinho! Do Banco do Brasil! Ah! Ah! Quase faliu! A classe proletária/ na certa comeria Com a verba gasta diária/ Em tal quinquilharia Sem serventia Alguns bons idiotas/ Aplaudem a medida E o povo sem comida/ Escuta tais lorotas/ dos patriotas. BARBAS DE MOLHO - Quando a Escola era risonha e franca, Juquinha podia satirizar até a Aeronáutica e a Marinha em suas canções. Falar de Juscelino Kubitschek como o presidente Bossa Nova: "Mandar presente a jato pro dentista/ almoçar com dentista campeão Também pode ser um bom artista/ exclusivista/ tomando com Dilermando umas aulinhas de violão." JK, Jango, dona Maria Tereza, Francisco Julião e, especialmente, Carlos Lacerda também não escaparam das farpas satíricas de Juquinha: Dona Maria Tereza/ diga a seu Jango, porque o povo vê quase tudo/ Só o parlamento não vê Dona Maria Tereza, diga a seu Jango Goulart Lugar de feijão é na mesa Lacerda é noutro lugar É. Criticar os homens do poder até 1964 era fácil mas depois as coisas ficaram difíceis. E assim, prudentemente, Juca Chaves pôs as barbas de molho. Continuou, é claro, satírico, mas preferindo temas menos explosivos - "Take me Back To Piauí", "Paris Tropical", "Demolição", "Alça de Caixão", "Marcha da Tanajura", "Sou, Sim, e Daí?" entre outros e buscando um humor cada vez mais pornográfico em seus shows (os quais mantém por anos em cartaz, viajando por todo o Brasil) e discos, geralmente lacrados e proibidos de divulgação em rádio - a não ser uma ou outra faixa. Irônico, agressivo, cruel em seus comentários com a imprensa - embora tenha sido repórter dos Diários Associados e da Última Hora, em São Paulo, no final dos anos 50 - tempo em que fazia parte da turma de Ricardo Amaral ("Nós, Os Gatos", música da época, foi dedicada à coluna que o hoje bilionário empresário da noite mantinha na UH) - Juca Chaves caiu, infelizmente, num estágio meio cinzento nos últimos anos.
É claro que faltava, especialmente a partir de 1968, condições para aquelas sátiras deliciosas, falando de temas mais sérios do que o homossexualismo, a infidelidade conjugal, o sexo... ENFIM (QUASE) LIVRE - Mas chegaram os novos tempos da Nova República e Juca aproveitou a ocasião. Paralelamente a um novo show, gravou na ARCA um elepê ("Enfim (quase) Livre"), já trazendo na capa uma ilustração que, em outros tempos, não passaria pela Censura: seu rosto no centro de uma bandeira verde-amarela. Mesmo sem abandonar, de vez, o seu lado romântico - e como no dinheiro tem uma coleção de músicas interessantes, especialmente as dedicadas à musa Ana Maria - Juca Chaves ajusta sua metralhadora verbal em relação aos novos tempos e personagem.
Começa despedindo-se dos tempos da Ditadura: Adeus velha República do João Começamos a nova tal e qual Banquete milionário Com scotch e camarão O patriotismo acaba quando o whisky é nacional (...) A Nova RéRepública / Pela velha superada Está sendo por plágio processada (...) Pois é, clinicamente não é segredo O que preocupa o Povo isto eu sei Não é somente a ausência do simpático Tancredo É o excesso de saúde no Sarney/ C Chorei Rei morto, rei posto. Se durante o regime militar, Juca Chaves não se atrevia a cutucar com vara curta os militares, agora os tempos são outros.
E uma das mais deliciosas sátiras deste seu retorno fonográfico é "A Semana de João" Segunda dá um beijinho na criança E no estudante grosso um bofetão Na terça, se não me falha a lembrança Vem bucose lá da França/ Lhe trazer a refeição Montado em seu cavalo/ Seja baio ou alazão Começa assim a semana do João (...) Tudo isso Silvio Santos/ Não mostrou, não mostrou não Mas essa sim foi a semana do João Depois que ele implantou/ Duas pontes no seu coração O Andreazza chateou-se/ Com o João É que nas pontes não levou comissão Se não faltam as críticas políticas e também duas suaves modinhas dedicadas a Yara, esposa e musa há anos de Juquinha - também não poderiam ficar ausente sátiras sexuais.
E, assim, comparando a atuação viril de uma "Orquestra Sinfônica", Juca Chaves diz que o homem de 20 anos tem o vigor de um trompete ("Sopro forte e tão seguro/ É como um clarinete/ De toque potente e duro"). Já aos 30, "Ele é um violino/ Às vezes de sons corruptos/ Às vezes de sons sonoros/ Afina cinco minutos/ E toca mais de seis horas". Ao chegar aos 40, "É uma harpa/ Fermatas longas demoras/ São seus notáveis tributos/ Afina mais de seis horas/ Toca só cinco minutos". O dramático é aos cinqüenta, quando "ele é um piano".
Enquanto não cai o pano Que as gargalhadas provocam Aos cinqüenta ele é um piano Ele afina e os outros tocam O próprio Juca, aos 48 anos bem vividos, depois de ter autolouvado seu "Nasal Sensual", hoje enaltece outra parte anatômica de seu corpo - que, como diz seu amigo Juarez Machado - companheiro de farras homéricas do Juca - tem usado intensamente.
Dizendo curar o complexo "por ser tão pequenino", lembra que de maneira inteligente/troco tudo pelo sexo/antes que eu fique impotente". Tenho pois duas cabeças Todas duas sem censura A de cima democrática A de baixo a dita-dura Tenho pois duas cabeças A de cima muita acima A de baixo ainda dura.

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