Nos últimos meses, um projeto de lei americano vem causando polêmica entre autoridades, indústria, grandes players da internet e ajudando a por fogo na discussão em diversos fóruns. O projeto de lei H.R.3261, conhecido como Stop Online Piracy Act (ou a sigla engraçada para nós brasileiros: SOPA) acirrou o debate sobre até onde pode ir o controle do estado sobre a internet.
A justificativa para o aumento do controle estatal é explicada já no nome da lei: este é um mecanismo para acabar com a pirataria, que corre solta pela internet através de sites de compartilhamento de arquivos, sistemas P2P e etc.
Antes de chegar a uma conclusão, vamos primeiro entender o que muda com a nova lei, quem são os interessados em sua aprovação ou seu indeferimento, e no que isto influencia a internet. Afinal, parafraseando o personagem Khan, do game Metro 2033: "Tente obter um conhecimento melhor das coisas antes de fazer seu julgamento".
A lei
Mas afinal, o que muda com o SOPA? A lei tem como objetivo dar mecanismos aos Estados Unidos para agir em casos em que a propriedade americana (entenda por propriedade intelectual, copyright, etc) esteja sendo roubada. A regulamentação dá agilidade ao governo para bloquear financeiramente os responsáveis por este mal uso, e até mesmo a derrubada de sites e serviços na internet que estejam infringindo direitos autorais.
A influência desse controle abarca os sites hospedados nos Estados Unidos e também qualquer site que, comprovadamente, seja pela presença de quantidade expressiva de usuários residentes nos Estados Unidos ou por comercializar itens na moeda americana, esteja em uso por cidadãos americanos.
O objetivo é nobre, de proteger a propriedade intelectual em um meio em que isto é sistematicamente desrespeitado. Mas esses novos poderes ao estado trouxeram uma polêmica. Vamos a ela!
O conflito
Quer um exemplo do que isto significa? Você sobe um vídeo, daqueles bobinhos com uma galeria de fotos animadas e com música. Para aumentar a tortura, você coloca algum hit de Justin Bieber para dar ritmo, e sobe a obra de arte para o YouTube. A gravadora identifica seu "assalto à mão armada" da "propriedade intelectual" do senhor Bieber e da gravadora. Como acontece hoje, o YouTube te notifica, e tira o áudio do vídeo, ou a gravadora processa o site de compartilhamento de vídeos. Em sites sem uma política de defesa de direitos autorais, e sem um número expressivo de acessos, acaba ficando tudo "por isso mesmo".
Com o SOPA, o novo poder estatal abre a possibilidade mais agressiva: antes mesmo de um processo, o governo americano pode bloquear o site que feriu os direitos autorais. Trocando em miúdos: seu vídeozinho vai derrubar o YouTube! Até os mecanismos de busca ficariam proibidos de retornar a página do vídeo, caso alguém procure por ele.
É claro que isso é improvável. Aqui partimos do pressuposto que o estado americano irá usar, de forma abusiva e agressiva, esse mecanismo. Mesmo considerando a baixa chance disso acontecer, os principais opositores desta lei são exatamente sites e serviços que passam a correr o risco de ter seu serviço derrubado, caso o governo americano decida que isso é necessário. Neste lado temos o já mencionado YouTube, Wikipedia, Facebook e Google, por exemplo. O Megaupload, naturalmente, é um dos opositores do SOPA e, em muitas das discussões entre os que defendem e os que se opõem a nova lei, é o serviço mais polêmico.
Do outro lado da questão, temos grandes gravadoras e produtores de conteúdo, como a Warner e a Universial Studios, e até empresas de TI, como Apple e Microsoft, que ganham a possibilidade de barrar um site ou serviço que usa ilegalmente suas produções, sem ter que enfrentar trabalhosos e demorados processos para conseguí-lo. Agora é a hora de pensarmos o que acontece com a internet, se essa lei passar, afinal, vai nos afetar também.
O fim da web 2.0
Com a chamada "web 2.0", onde novas plataformas, como redes sociais, tornaram os sites mais dinâmicos, o novo verbo passou a ser "compartilhar". As pessoas continuam publicando em seus sites ou blogs, mas também passaram a enviar conteúdos para outros serviços como YouTube ou 9gag, ou compartilham com outras pessoas algo que acharam interessante por redes sociais como Twitter e Facebook.
Isso criou uma web mais dinâmica e participativa, ao mesmo tempo em que tornou muito difícil controlar a publicação e origem de conteúdos, especialmente em sistemas mais anárquicos como o 4chan. E isso é o inferno para quem quer defender seus conteúdos com direitos autorais.
Aqui temos o ponto crítico da questão: conteúdo com copyright, subido por um usuário, deve derrubar um site? Vamos a um exemplo: estou aqui, fazendo testes com o HP Pavilion Dv6-6170br (especificar o modelo do notebook é muito relevante para o exemplo). Acabo me irritando e decido acabar com o SOPA pela raiz. Pego um voo para os Estados Unidos e mato, batendo com o notebook, todos os responsáveis por esta lei. Na lógica do ato anti-pirataria online, o governo americano fecharia as fábricas da HP, afinal não importa que o uso indevido seja culpa do usuário (notebooks como arma letal), a culpa é de quem é responsável pelo serviço (a empresa que fabricou o notebook). Como podem notar, minha imparcialidade morre a pancadas, neste parágrafo.
Essa lei torna sites colaborativos inviáveis, já que é muito difícil controlar o que todos os usuários fazem. Isso é o fim de sites como YouTube, Megaupload, Wikipedia e todos os locais onde pessoas compartilham conteúdos, que viveriam em uma insegurança constante de serem fechados o que, caso aconteça, nos jogaria em um túnel do tempo, diretamente para a internet de 1999 (alguém aqui sente saudade do Geocities?).
Conclusões
O SOPA destrói a lógica do compartilhar presente hoje internet, que é a característica que torna este meio único, possibilitando a participação e interação mais ativa daqueles que o acessam. Os memes são um exemplo do resultado desta nova web: de quem é o direito autoral sobre as imagens? Quem deve regular o seu uso? A resposta é ninguém. É a internet livre que torna possível coisas como o vídeo abaixo.
Quando pego citações de um jogo coloco no meio do artigo, ou alguém pega um conteúdo de outro e o modifica, criando algo novo, é isto o que torna a internet diferente dos meios convencionais como a televisão ou o jornal, onde fazer isto até é possível, mas não na dinamicidade como ocorre na web.
Temos aqui também uma questão ética: os Estados Unidos estão entre as principais nações a pressionar países como a China a dar mais liberdade a população na internet. Isso é totalmente contraditório, considerando o alto poder estatal sobre a internet americana, caso a lei seja aprovada.
Mesmo que o SOPA acabe por barrar os serviços apenas nos Estados Unidos, o efeito de um site como o Reddit ter seu acesso bloqueado para os americanos pode ser o fim de seu serviço, nos afetando também. Leis para regulamentar a internet também estão em discussão em diversos países, incluindo o Brasil, e a postura americana pode os influenciar outros a também endurecer o controle do estado na internet.
2012 pode ser mesmo o fim, ao menos da internet livre como a conhecemos.
Retirado de adrenaline.uol
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