domingo, 16 de fevereiro de 2014

Sonhos de Um Guri Campeiro - Poesia campeira






Leandro Araújo

(poesia vencedor da Campereada Internacional do Alegrete - 1995)

Muito mais que somente um guri,
É um pequeno homem das lidas campeiras.
De calça curta e pés no chão,
Na cabeça, um chapéu velho de aba quebrada
-Herança do seu avô-
E na cintura, uma cherenga
Presa num tento de couro cru.

Na escola do galpão
Aprendeu a amar o pago.
Ouvindo os versos de algum xirú
Ou um bordonear de guitarra,
Nem pensa em deixar a estância
Por povoeiras ilusões.

Os sonhos de um guri campeiro
São estrelas que se fundem
Num céu de imagens rurais
Onde a pata de cavalo e a ponta de lança
São luzeiros que iluminam as fantasias
E guiam os passos de um piá.

Quando um velho conta um causo
Se deixa cabrestear
Pelas histórias de guerra,
E nas rodas de galpão
Sonha que é herói
De lenço colorado no pescoço,
Montando o flete mais lindo
E com a espada firme na mão.

E o guri vira soldado
Nas arrancadas de "Noventa e Três",
É Adão Latorre nas degolas
Frente a Maneco Pedroso
Para a bênção sangrenta
No fio da adaga colorada.
Mas, sem entender o porquê das guerras,
Passa de Honório a Flôres
-Foi chimango e maragato
Nos causos de "Vinte e Três"
Pois pra ele a cor do lenço não justifica
Lutar irmão contra irmão.

Não sonha com naves loucas
Ou com seres de outro mundo,
Viaja no lombo dos pingos
Nas cargas de lança
E nos tiros de laço.
Era soldado e peão
Nos tempos que o fio de barba
Era o documento mais honrado.

Mas...
Antes mesmo
Do sol brotar por entre os serros
As infantis fantasias
Viram terrunhas realidades:
Buscar as vacas de leite,
Trazer água da cacimba,
Campear uma rês perdida,
Cumprir a faina exigida
Porque na lida de campo
Trabalho não tem idade.

Aproveita, guri!
Ainda és novo!
O teu inseguro porvir
Tirará estrelas do céu,
E os teus mágicos devaneios
Darão lugar a tristes realidades.
O soldado peão de teus encantos
Se apagará da memória
E as guerras fantasia
Serão lutas de sustento
Contra máquinas letais.

Na construção de um novo mundo
Não haverá lugar para sonhos.
O teu trabalho de campeiro
Vai sumir nas construções.
Sonha, sonha enquanto há tempo,
Pois os sonhos acalentarão
Teu futuro de incertezas.

Um comentário:

Leandro de Araujo disse...

Gracias pela referência.
Podes seguir meu blog para encontrar outros poemas de minha autoria. Estão no link abaixo:
https://blogdoleandroaraujo.blogspot.com/