Coluna sobre a morte de Bernardo Boldrini, em Três Passos
Não posso nem chamá-lo de caro ou prezado, mas apenas usar seu nome: Leandro. Educação e respeito vão soar como cinismo.
Tampouco posso chamá-lo pelo sobrenome para indicar formalidade. Perdeu o direito do sobrenome. Seu filho pequeno está enterrado em seu sobrenome para sempre. Ele carregava seu sobrenome, você não soube carregar coisa alguma dele.
Tenho enfrentado vários pesadelos desde que ouvi a notícia de que seu menino de 11 anos fora morto pela madrasta.
Que seu menino foi posto numa cova às margens de um rio em Frederico Westphalen (RS) e poderia estar ainda vivo. Coberto pela terra quando deveria ser coberto pelo edredon para não passar frio de noite.
Seu filho foi enganado. Toda a vida enganado. Toda a vida humilhado. Na hora de seu fim, aceitou o passeio para longe de Três Passos porque jurava que receberia uma televisão.
Quando seu menino acordar dentro da morte, ele vai chamá-lo. Assim como toda criança chama seu pai quando tem medo do escuro. Vai chamá-lo e onde estará?
Ele acreditava que você era o herói dele. Estava exagerando para pedir que o salvasse, não entendeu o apelo?
Você nem pai foi. Nem homem foi. Você foi o que restou.
Como médico, não acha Bernardo uma criança um pouco grande para fazer um aborto?
O que dirá para irmãzinha dele? Que Bernardo está no céu? Que é uma estrela?
Perdeu também o direito de mentir. É você e sua memória sozinhos no silêncio. Só resta a memória para quem matou a consciência.
Nunca encontrará perdão. Deixou Bernardo desamparado. Deixou Bernardo com as mesmas roupas curtas, o mesmo uniforme escolar surrado, desde que a mãe faleceu. Deixou seu filho mendigar atenção pela cidade. Pelo fórum.
Não entendo o que leva um homem a anular sua família anterior por uma nova namorada. O sexo é mais importante do que a paternidade? A bajulação é mais importante do que a ternura? Queria estar disponível para festas? Cortar gastos?
Fingiu que Bernardo não existia para não atrapalhar a ambição da sua mulher? Fingiu que Bernardo não havia nascido para atender à exclusividade de sua mulher?
Filho não é escolha, é responsabilidade. Já casamento é escolha...
Se a mulher não gostava de seu filho, não deveria ter recusado o relacionamento?
Como seria simples. Bastava dizer "Ou meu filho ou nada!". É o que se fala no início do namoro.
Para você, nada.
Não é que você não tem mais nada, você não é mais nada. Abdicou de seu filho para ficar com alguém. Você não se contentou em abandonar sua família para criar uma segunda família, você aniquilou sua família para criar uma segunda família.
Obrigava Bernardo a esperar fora de casa até você chegar do trabalho, agora é você quem espera fora de casa.
Obrigava Bernardo a lavar as mãos para brincar com a irmã. Pois tente lavar suas mãos agora para tocar no rosto dele.
Tente todos os dias de sua paternidade. Sangue não sai com a culpa.
Fonte: Zero Hora
tags: três passos, madrasta, frederico Westphalen, assassina, caso bernardo
tags: três passos, madrasta, frederico Westphalen, assassina, caso bernardo
Nenhum comentário:
Postar um comentário