Morreu na tarde desta quinta-feira, aos 88 anos e vítima de uma parada cardíaca, o ex-jogador Alcides Ghiggia, autor do gol uruguaio que derrubou o Brasil na final da Copa do Mundo de 1950. E quis o destino que o carrasco partisse justamente na data que ele ajudou a tornar histórica: 16 de julho.
A informação, que começou a circular nas redes sociais no final da tarde de quinta, foi confirmada pelo jornal uruguaio "El Pais". Carrasco brasileiro no "Maracanazzo", Ghiggia era o último jogador vivo que disputara a decisão do Mundial de 50.
Alcides Edgardo Ghiggia foi um dos melhores atacantes dos anos 40 e 50, jogando sempre pela direita, com dribles rápidos, cortes secos e chutes colocados. Era peça indispensável no ataque do Peñarol, onde ganhou fama a partir de 48.
Em 1957, Ghiggia se naturalizou italiano e chegou a vestir a camisa da Azzurra, mas não conseguiu ajudar o time a se classificar para a Copa de 58, na Suécia, onde o Brasil conquistaria seu primeiro título mundial, com Pelé ainda adolescente.
Depois de ganhar dois títulos nacionais com a camisa do Peñarol, o ponta direita foi vítima do próprio temperamento, na temporada de 52, quando agrediu um árbitro e acabou suspenso por um ano.
Cumprida a suspensão, chegou o momento de mudança de ares para o atacante impetuoso. No começo da temporada de 53, Ghiggia foi transferido para a Roma e, quatro anos depois, era o capitão do time.
Pela Roma, foi campeão do torneio que deu origem à Copa da Uefa, em 61, embora não tivesse participado da grande final contra o Birmingham City, da Inglaterra.
Em oito temporadas com a camisa da Roma, Ghiggia marcou 15 gols. Mas, apesar do talento ofensivo, o uruguaio não conseguiu conquistar o Scudetto pela Roma: sua melhor classificação foi um terceiro lugar, na temporada de 1955.
Em 1961, Ghiggia completou 35 anos e se transferiu para o Milan. Um dos mais velhos do time, ele ainda teria fôlego para conquistar o Scudetto daquele ano. Com a medalha na mala, ele retornou ao Uruguai logo em seguida para vestir a camisa do Danúbio. Jogou até os 41 anos e se aposentou em 1965.
Apesar da fama de algoz da seleção brasileira, o ex-atacante do Peñarol tinha muitos amigos no Rio de Janeiro.
Ele e outros jogadores uruguaios vinham com frequência ao Brasil e costumavam passar dias agradáveis no sítio do craque Zizinho.
Nesses encontros, uma regra era seguida como mandamento religioso: ninguém podia falar de futebol. Ninguém podia mencionar a final de 1950, tida como o maior desastre na história do esporte brasileiro: "tragédia do Maracanã", para os brasileiros. "Maracanazo", para os uruguaios e vizinhos de língua espanhola.
Amável em suas lembranças, o ex-atacante era preciso na narrativa: "Ninguém entendia como mantínhamos amizade com os brasileiros, mas era verdade. Quero voltar ao Rio de Janeiro para ver a Copa 2014 e ver o Maracanã de novo", desejava Ghiggia na sua entrevista em abril de 2012 ao UOL Esporte, concedida ao repórter Bruno Freitas, no Uruguai.
"De futebol não se falava. Se falava de outras coisas, mas de futebol, não. Quando vinham aqui a Montevidéu, comíamos um belo assado com eles", recordou-se Ghiggia.
O grupo de uruguaios era pequeno. Junto com Ghiggia vinham ao Brasil o capitão Obdulio Varela e goleiro Maspoli. O ex-atacante se lembrou que os parceiros brasileiros no sítio de Zizinho eram o artilheiro Ademir de Menezes e o goleiro Moacyr Barbosa.
A crônica da época culpou o goleiro Barbosa pelo fracasso brasileiro naquela final. Barbosa foi massacrado até sua morte em 2000. Nesse ponto, o atacante Ghiggia se transforma em um defensor generoso.
"Estive uma vez com o Barbosa, no Rio de Janeiro. Lamento muito o que se passou com ele. Colocaram a culpa só nele. No futebol, quando se perde, perdem os 11. Quando se ganha, ganham os 11. Não um só", argumentou Ghiggia.
Foi a última entrevista concedida a um veículo brasileiro e marcada por "bons momentos e frases secas", escreveu o repórter. Durante a conversa, Ghiggia se revelou solidário aos torcedores, que sofreram tanto com a derrota de 1950.
Para Ghiggia, a Copa de 2014 poderá, com uma provável vitória do Brasil, enterrar para sempre o pesadelo vivido na romântica Rio de Janeiro. Esse era o pensamento amigável do matador uruguaio, que marcou um gol impossível, sem ângulo e mergulhou o Maracanã em profunda tristeza.
Neymar é irreverente. Messi, o melhor
Ghiggia nunca se desligou do futebol. Como um velho bruxo de ataque, ele foi chamado a comparar o argentino Messi a outros jogadores dos anos 50 e 60, durante a conversa de abril.
"É difícil comparar o argentino a outros jogadores de meu tempo", disse o uruguaio. "Não tenho dúvida de que ele seja o melhor do mundo neste momento, mas me divirto também com o futebol irreverente de Neymar", elogiou Ghiggia. "Neymar é muito hábil para jogar, é rápido pelas pontas e não tem medo de driblar. Me diverte", disse o uruguaio.
Do Mundial de 1950, Ghiggia guardava poucos objetos. Da final, restava uma gravação radiofônica que descreve e eterniza a vitória contra o Brasil. A emoção aguda o impediu de continuar saboreando aqueles momentos épicos que só um esporte de massa pode proporcionar.
"Faz muitos anos que passou o Mundial. Sempre que chega 16 julho penso nos companheiros, penso nos adversários. Tenho as gravações em casa e não escuto. Minha senhora não deixa eu escutar porque diz que me emociono. A verdade é que passou, tive uma época dentro do futebol, contribuí com um campeonato do mundo, e nada mais", disse o ex-atacante.
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