Os Grandes Festivais da TV
Finalmente falaremos nesta coluna sobre um assunto que muitos leitores queriam que eu falasse...Os grandes festivais de música que marcaram uma época, não só na história da televisão, como a do país. Não é brasa, mora? Então é hora de agitarmos nossas memórias e irmos no balanço dos festivais!
Shows e musicais
Não podemos deixar de lado os musicais e shows que prepararam o povo e o meio televisivo para a entrada dos grandes festivais. Tudo vem, com certeza, da herança da Era do Rádio. As "Cantoras do Rádio", o "Ring Musical" da Rádio Record e os programas musicais são pais do gênero na mídia, já que antes disso tudo no jornalismo não se tinha como utilizar um som. Outro importante fato é a criação do disco de vinil (78 rotações) no Brasil, já que a maioria vinha do exterior. Um dos primeiros, se não for o primeiro brasileiro, foi o do primeiro samba do mundo: "Pelo Telefone", de Sinhô. Antes do vinil só existia a pianola e a caixa de música, que apenas davam ao receptor a possibilidade de cantar junto ao som e não ouvir a voz cantada e o instrumento reproduzido. Nem cheguemos mais longe ainda, pois teríamos que falar dos shows, operetas, musicais e as partituras vendidas para o público tocar e cantar em casa. Mas voltando ao surgimento da televisão, aos poucos o gênero musical foi invadindo o meio. As emissoras de São Paulo e do Rio de Janeiro já estavam promovendo seus shows e musicais... Desde suas inaugurações! Exemplo disso está na inauguração da Tupi, da Record e da Excelsior. Mas o gênero musical aumentou mais ainda no início da década de 60. A Tupi tinha seu "Festival Cinzano da Canção Brasileira", a Record o "I Festa da Músical Popular Brasileira" e "O Fino da Bossa" (programa musical que inicialmente começou no centro acadêmico da Universidade Mackenzie), a Excelsior a "Cancioníssima-63" e "Noites da Bossa Paulista", a TV Rio tinha "A Mais Bela Canção de Amor", "Um Cantor por um Milhão", "Um Milhão por uma Canção" (os dois últimos no programa "Noite de Gala", que lançou Flávio Cavalcanti na TV). Isso tudo além dos festivais regionais de música que aconteciam por todo país. Hora de começar O público aplaudia e gostava do que via nos shows e musicais da televisão. Inspirado no Festival de San Remo, o profissional Solano Ribeiro, junto com os jornalistas Franco Paulino e Moraci do Val junto os músicos de São Paulo e Rio de Janeiro para fazer um grande festival de música. A inspiração em San Remo veio de Solano Ribeiro, que reparou que nas rádios da época entupiam-se de músicas italianas após este festival. O Boni, que era da TV Excelsior na época, chamou Solano Ribeiro para dirigir a programação da emissora...Nem sabia ele o que viria pela frente.
E foi com o patrocínio das Lojas Eduardo que eles juntaram Rio e São Paulo para criar o "Primavera Eduardo É Festival de Bossa Nova", onde pela primeira vez apareceu o nome "festival". Foi neste que Elis Regina começou.
Mas eles queriam mais... Queriam ficar mais próximos do de San Remo. Foi quando um grande número de jovens se inscreveu para o "I Festival de Música Popular Brasileira", que a mesma TV Excelsior realizou no ano de 1965. O Brasil entrava assim na onda dos festivais, acompanhado pelo piano de Amílson Godoy. Elis Regina novamente foi a revelação do festival, ganhando com a música "Arrastão" de Edu Lobo e Vinicius de Moraes. Este final aconteceu em 6 de abril de 1965, com Elis Regina ganhando o prêmio "Berimbau de Ouro" no Guarujá (SP).
Neste "I Festival de MPB", nosso amigo David Grimberg ajudou na produção e foi responsável por ajudar Elis Regina a pular o muro dos fundos para entrar no local da transmissão, já que uma multidão de fãs não deixavam ela entrar pela porta da frente.
Elis trabalhava na TV Rio, quando Solano Ribeiro a convidou para trabalhar na Excelsior em São Paulo. Mas Edson Leite (criador dos bonecos "Ritinha e Paulinho"), superintendente do canal 9 achou besteira contratá-la. Foi nesta recusa que a Excelsior perdeu uma grande chance. A TV Record contratou Elis e ela fez grande sucesso com seu programa "O Fino da Bossa" (mais tarde Jair Rodrigues apresentaria ao lado de Elis). Era o "nascimento" de uma poderosa TV Record.
Os Festivais da Record
A Record lança para a história televisiva a moda do "iê iê iê" (Erasmo, Wanderléia, Roberto Carlos, Antonio Marcos, Vanusa, Celly e Tony Campello, ...), a Jovem Guarda e a Tropicália. Com estes três elementos ela chega a líder de audiência, graças aos seus festivais - que foram promovidos por Solano Ribeiro, que havia deixado a TV Excelsior.
Se consagrou com o slogan "Record, a emissora dos musicais", porque além dos festivais ela continuava a promover shows com astros internacional, como Marlene Dietrich, Louis Armstrong, The Platters, Sammy Davis Jr., Frank Sinatra e tantos outros que lotaram o Teatro Record. Foi a Record que lançou programas como Bossaudade e Jovem Guarda (com Roberto Carlos).
Momentos Históricos
Na história dos festivais há um momento que não será esquecido. Em 10 de outubro de 1966 no "II Festival de MPB", realizado pela TV Record, Jair Rodrigues - que interpretava a música "Disparada" de Geraldo Vandré e Theo de Barros (que ainda tocou sua viola), acompanhado de Hermeto Pascoal no piano e completado Quarteto Novo, Nanini (percursão) e o Trio Maraya - competiu lado a lado com Nara Leão e Chico Buarque - interpretando sua música "A Banda". O público ficou indeciso com seus gritos e aplausos, metade queria consagrar "Disparada" como a vencedora, a outra metade queria "A Banda"... O mesmo acontecia com os jurados. Historicamente tiveram que dividir o título ao meio.
O festival de 1967 entraria para a história dos Grandes Festivais por possuir um grande número de músicos de boa qualidade, desde Chico Buarque à Roberto Carlos, passando por Gilberto Gil (neste ano nasceu a Tropicália), Edu Lobo, Johnny Alf, Mutantes, entre outros. Mas neste mesmo festival cobriram os auditórios de vaias quando Jair Rodrigues foi desclassificado por causa de uma pequena torcida da gravadora e foi classificada a música "Beto Bom de Bola" de Sérgio Ricardo, que mostrava-se desafinado e com altos e baixos na melodia de sua música. No final do concurso as vaias aumentaram e Sérgio Ricardo, com muita raiva quebrou seu violão na perna e tacou-o na platéia. Naquela edição do festival começaram a surgir os protestos com tempáticas revolucionárias, anti-ditadura militar. A censura começou a pegar no pé com mais firmeza...
E 1968 foi o ano do Tropicalismo nos festivais da Record, daí surgiu Tom Zé, que foi campeão com "São São Paulo Meu Amor" ao lado de Chico Buarque com "Bem Vinda". O último festival foi em 1969, o IV Festival de Música Popular Brasileira, que foi vencido por Paulinho da Viola e sua música "Sinal Fechado". Depois disso acabaram-se os festivais da Record e a emissora optou por reformular seu modelo de festival e criar a Bienal do Samba (a primeira aconteceu em 1968).
No ano seguinte vários incêndios se espalharam pelos estúdios das emissoras do Rio e de São Paulo, como também em seus teatros (exemplo disso é o caso do incêndio no Teatro Record - a emissora sofreu três incêndios em menos de um ano).
Outros Festivais
A Excelsior em 1966 deixaria de fazer o Festival de Música Popular Brasileira, como já disse aqui, e criaria o "I Festival da Nova Música Popular" (chamada pela própria também como "II Festival de MPB", como o que já acontecia na Record) e depois criou o "Brasil Canta" (em São Paulo) e "Brasil Canta no Rio", que revelou Taiguara.
A Secretaria de Turismo da Guanabara criou em 1965 o "FIC - Festival Internacional da Canção", que teve sua primeira realização feita pela TV Rio em 1966. O primeiro consagrou Nana Caymmi com "Saveiros" de Nelson Motta e de seu irmão Dori Caymmi. A partir do II FIC, a Globo foi a responsável - até 1972 quando ele foi extinto.
Foi através do FIC que Milton Nascimento, Beth Carvalho, Golden Boys, Belchior, Zé Rodrix, Jorge Ben (na época sem o segundo "jor") Edmundo Souto, Baden Powell, Paulinho Tapajós, Danilo Caymmi, Ednardo, Cynara e Cybele (que depois seriam responsáveis pela criação do "Quarteto em Cy", Paulo Sérgio Pinheiro, Tom Jobim e outros se consagraram. O FIC conseguiu mais força ainda quando Solano Ribeiro passou da Record para lá, ao lado de seu produtor Renato Corrêa e Castro em 1968. O FIC tinha até hino, composto por Erlon Chaves.
A TV Globo naquele ano finalmente fez com que o FIC ficasse para história quando transmitiu com muita ousadia músicas anti-ditadura, como "É Proibido Proibir" de Caetano Veloso, "Questão de Ordem" de Gil e principalmente "Pra Não Dizer Que Não Falei das Flores", que virou hino da luta contra a ditadura militar ("Caminhando e cantando e seguindo a canção..." - a música impressionou o povo mais ainda no Maracanãzinho, por ter sido cantada apenas por Vandré e acompanhado só do violão, mais nada, nem ninguém). A platéia quase chegou a agredi-los. Foram perseguidos após baterem de frente com o AI-5 (Ato Inconstitucional n.º 5, imposto pelo Presidente Costa e Silva). E o resultado foi o exílio da maioria dos cantores da época...Gil, Caetano, Chico Buarque, entre outros foram para o exterior, sem esquecer dos políticos e líderes de movimentos revolucionários.
Com a saída dos grande nomes, o festival começava a perder a graça. A censura no FIC fez com que Solano Ribeiro deixasse os festivais, sendo que Nara Leão também fosse impedida de participar do júri de 1972. A última edição revelou Raul Seixas, Maria Alcina, Fagner, Jorge Ben, Sérgio Sampaio, Belchior, Alceu Valença, Ednardo e outros. Mesmo assim não conseguiria mais resistir.
A Tupi se preocupou com os festivais a partir de 1968 quando realizou o "I Festival Universitário da Música Popular Brasileira", que durou até 1972. Neste surgiram Gonzaguinha, Aldir Blanc, Alberto Land, César Costa Filho, Clara Nunes, Ivan Lins, Waldemar Correia, Lucinha Lins (como Lúcia Maria, por ser menor de idade e ter que forjar até sua identidade), Taiguara, Walter Franco, entre outros. A emissora só volto a investir em festivais em 1979, um ano antes de sua falência, com o "Festival de MPB da Tupi", quando Fagner foi campeão com a música "Quem Me Levará Sou Eu".
A Excelsior e a Tupi faliram, a Record não pensou mais no gênero; depois do FIC a Globo tentou com outros festivais também, como o "Abertura" (1975), "MPB-Minister" (1980), "MPB-Shell 81" (1981), "MPB-Shell 82" (1982), "Festival dos Festivais" (1985) e depois de um tempo lançou o "Globo de Ouro" que seria a saída para quem ainda gostava dos festivais, este acabou em 1990 e revelou talentos como Lobão, Legião Urbana, Titãs, 14-BIS, Blitz e Eduardo Dusek; a Manchete lançou seus musicais e a Band também (os do Chico Buarque foram de sucesso); a Cultura lançou o seu "Bem Brasil" e a MTV "nasceu para tocar música" para o jovem. Programas musicais começaram em todos os canais, até na Gazeta e no SBT, como no "Sabadão".
A Globo em 1999 lançou o programa "100 Anos de MPB", que deu "Carinhoso" como a campeã e em 2000 lançou o "Festival da Globo" (apresentado por Serginho Groismann), mas não obteve repercussão e não consagrou nenhum talento como antigamente. Nunca mais existiram festivais como os antigos que mexeram com a história e com a cabeça do povo brasileiro. Vamos ver o que surgirá daqui pra frente...
E vamos ficando por aqui novamente. E deixo vocês com "Arrastão", a primeira música a ganhar um dos grandes festivais de MPB.
- "Arrastão
(Edu Lobo / Vinícius de Moraes - Intérprete: Elis Regina)
Eh!
Tem jangada no mar
Eh! Eh! Eh...
Hoje tem arrastão
Todo mundo pescar...
Chega de sombra João
Olha o arrastão entrando no mar sem fim
Eh! Meu irmão me traz lemanjá pra mim
Minha Santa Bárbara me abençoai
Quero me casar com Janaína
Eh! Puxa bem devagar
Eh! Eh! Eh...
Já vem vindo o arrastão
Eh! A rainha do mar
Vem, vem na rede João pra mim
Glória de Deus
Nosso Senhor do Bonfim
Nunca jamais se viu tanto peixe assim..."
Imagens
Caetano Veloso canta "Alegria, Alegria" no III Festival de MPB. Arquivo Rede Record (1967). | Jair Rodrigues, Nara Leão e Chico Buarque comemorando a vitória no II Festival de MPB. Arquivo Rede Record (1966). fonte: http://www.sampaonline.com.br |